mercredi, avril 26, 2006

MinC libera R$ 9,4 mi para Cirque du Soleil no Brasil

MinC libera R$ 9,4 mi para Cirque du Soleil no Brasil
SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo
O governo brasileiro está dando uma "mãozinha" para a temporada da trupe canadense Cirque du Soleil no país, que começa dia 3/8, com ingressos entre R$ 50 (meia-entrada) e R$ 370 (VIPs).
A empresa CIE (Companhia Interamericana de Entretenimento, de origem mexicana), que promove a vinda do espetáculo "Saltimbanco" ao Brasil, foi autorizada pelo MinC (Ministério da Cultura) a ficar com R$ 9,4 milhões que o governo receberia em Imposto de Renda neste ano. O dinheiro agora deve ser usado em benefício das apresentações.
A operação foi feita pela Lei Rouanet, criada em 1991, para que empresas e pessoas físicas incentivem a cultura (sobretudo a brasileira), destinando parte de seus impostos a projetos culturais. É o MinC quem avalia os projetos candidatos a esse benefício e autoriza os valores que eles poderão receber (ou "captar", no vocabulário da lei) em patrocínio.
Os ingressos do Cirque du Soleil, por enquanto, estão à venda só para os clientes Prime (prioritários) do Bradesco, que decidiu patrocinar o grupo no Brasil. "É desejável que marcas se associem a produções culturais, desde que o dinheiro seja privado", diz o consultor em patrocínio empresarial Yacoff Sarkovas.
Sarkovas é contrário ao fundamento da lei. "Achamos um jeito 'brasileirinho' de criar um modelo de financiamento público que não é público", afirma.
Segundo dados do MinC, a CIE captou R$ 7,1 milhões até agora, dos R$ 9,4 milhões autorizados. O Bradesco, cujo lucro em 2005 foi de R$ 5,5 bilhões, não quis comentar valores nem qualquer outro aspecto do patrocínio. A assessoria do banco disse que o diretor de marketing, único que poderia falar sobre o tema, está viajando.
O empresário Fernando Altério, da CIE, também não atendeu a Folha. Além do patrocínio ao Cirque du Soleil, a CIE foi autorizada a captar R$ 5,1 milhões para a "continuação da temporada paulistana do musical "O Fantasma da Ópera" durante o ano de 2006".
O musical está em cartaz no Teatro Abril (uma das três casas de espetáculo do grupo CIE em SP), com ingressos que vão de R$ 65 a R$ 200. Estreou em abril de 2005 e, pela previsão da CIE, tem fôlego para ir até 2007, com outra "mãozinha" do governo.
Os patrocínios obtidos pela CIE expõem o uso da lei em projetos de presumível viabilidade comercial, como provam seus êxitos de bilheteria. Há também exemplos de aval do governo a ações desinteressadas da busca pelo público.
A Dialeto Latin American Documentary Ltda foi autorizada a captar R$ 197 mil para o CD "Pajelança Cabocla", de Zeneida Lima, "pajé cabocla da ilha de Marajó". O projeto estipula que as 3.000 cópias do álbum deverão ser assim distribuídas: "Mil exemplares para os produtores, 850 para os autores, 750 para os patrocinadores, 300 para Bibliotecas Minc [sic] e 100 para a mídia".
A "Pajelança Cabocla" ainda está sem patrocínio, segundo o MinC. Sobre o incentivo federal para o Cirque du Soleil, Juca Ferreira, secretário-executivo do ministério, diz que "um projeto cultural que não tem a preocupação de facilitar o acesso a um número cada vez maior de pessoas tem que ser viabilizado pelo mercado, e não por recursos públicos".
A fala do secretário soa incongruente com a ação da pasta, mas ele agrega: "Isso é uma opinião minha. Venho defendendo isso desde que cheguei aqui, porque, em última instância, recursos de renúncia fiscal [como os da Lei Rouanet] são recursos públicos".
Se Ferreira, ligado ao PV, defende mudanças na Lei Rouanet desde que chegou ao MinC, está em atraso com o PT. A reforma da lei era um dos pilares do programa de cultura na campanha de Lula da Silva à Presidência, em 2002.
Na cartilha "A Imaginação a Serviço do Brasil - Programa de Políticas Públicas de Cultura", assinada por "Antônio Palocci Filho, coordenador do programa de governo", lê-se a seguinte avaliação da Lei Rouanet:
"Resultou em uma série de ações fragmentadas, patrocinadas com recursos públicos pelas principais empresas brasileiras, concentradas no eixo Rio/São Paulo, sem alcance nas demais regiões do país ou sem a garantia de contrapartida pública, em termos de diversidade, circulação ou gratuidade à população brasileira. Ou seja, evaporou-se a política entendida como ação pública".
A promessa de campanha de reforma da Lei Rouanet ficará para um eventual segundo mandato de Lula da Silva. "Pretendemos apresentar ao presidente uma proposta de reforma da lei, para que ele possa enviar ao Congresso e que, no início da próxima gestão, tenhamos de fato uma mudança", afirma Ferreira.
Para esta semana, o MinC acena com um decreto com alterações superficiais na lei. E faz um mea-culpa inútil, mas que vem antes tarde do que nunca: "Perdemos o timing", reconhece Ferreira.

MinC engole sapo

26/04/2006MinC engole sapo e só faz mudanças superficiaisFolha de S. Paulo - Marcos Augusto Gonçalves
O arquivamento da proposta de encaminhar ao Congresso um projeto de mudança do regime de incentivo fiscal à cultura foi um dos sapos que o Ministério da Cultura engoliu e uma das promessas que deixou de cumprir. A cúpula do MinC, que mal consegue impor mudanças cosméticas à lei por meio de um decreto, diz que as alterações serão propostas na "próxima gestão". Ou seja, entregou a Deus.É claro que a Lei Rouanet beneficia a cultura. Os recursos que ela permite aplicar dinamizam a atividade cultural. Mas isso não significa que a legislação seja a mais adequada. Mesmo o mais aleatório dos critérios faria com que a distribuição de R$ 677 milhões ao meio cultural -foi essa a renúncia fiscal em 2005- produzisse frutos. E certamente muitos, em especial os que colheram esses frutos, acenariam com os resultados para justificar a manutenção dos critérios -por mais precários que fossem.De certa forma, é o que vem acontecendo com o incentivo à cultura. A Lei Rouanet encerra contradições flagrantes em se tratando de uma legislação destinada a incentivar o investimento privado em projetos culturais por meio de apoio financeiro público.Na prática, o que temos são companhias privadas (e também públicas) "investindo" impostos (que seriam recolhidos pelo Estado) a seu bel prazer ou em atendimento aos lobbies com mais força política ou socialmente mais bem posicionados para convencer as cúpulas empresariais.Mais do que isso, temos uma série de institutos, bancados por intituições financeiras extremamente lucrativas, que associam suas marcas ao investimento ou ao mecenato cultural embora, na realidade, pratiquem essas virtudes (exploradas no marketing) com dinheiro de tributos.Em resumo, temos dinheiro público alocado por empresas privadas, de acordo com seus interesses. Mas -diga-se- nada disso seria possível sem o indispensável aval do Minc, que autoriza "captações" mesmo em casos nos quais o mercado parece perfeitamente capaz de arcar com o empreendimento.A idéia de investimento -ou seja, de um capitalista que assume o risco de destinar recursos a um projeto que presumivelmente lhe trará retorno- se dissipa na confusão público-privado, como é comum no Brasil. Ficamos com investidores privados que correm pouquíssimo ou nenhum risco -pois estão cobertos por recursos da sociedade. Por que desejariam mudar a lei?Já se formulou, e o próprio MinC em tese assumiu, a idéia de concentrar o montante da renúncia fiscal num fundo público que distribuiria os recursos segundo critérios estabelecidos por uma política de Estado. Mesmo que critérios públicos também possam ser problemáticos, é uma discussão pertinente, que deveria ser apresentada ao Congresso. Foi o que o MinC não fez.http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2604200607.htm
26/04/2006Após três anos de discussões e estudos, chega a nova Lei RouanetEstado de São Paulo - Jotabê Medeiros
Está previsto para sair hoje no Diário Oficial da União o texto reformado da Lei Rouanet (8.313/91), cujas mudanças foram antecipadas na edição de segunda-feira do Caderno 2. O ministro Gilberto Gil fala amanhã em coletiva em Brasília sobre as modificações no texto, para explicar à imprensa, artistas e produtores sobre os novos mecanismos. As principais mudanças anunciadas - fim da remuneração ao captador de recursos, que era de 10% do total do projeto; exigência de um ´plano de acessibilidade´ dos produtores, garantindo maior acesso público dos projetos incentivados; e fim do custeio de fundações e institutos - repercutem intensamente desde o início da semana. O produtor e editor Ronaldo Graça Couto, da Metalivros, trabalha com projetos especiais (como livros de arte) há 20 anos. Ele avaliou as mudanças como maléficas para o "pequeno empresário cultural", como definiu. Sua maior restrição é quanto ao corte dos 10% para o agente captador de recursos. "Ora o proponente cria, inscreve o projeto, procura captar - e apenas 10% dos projetos encontram patrocinadores -, produz, administra os recursos, presta contas minuciosamente numa verdadeira auditoria generalizada de todos os recursos, e ainda fica esperando cinco anos pela análise da prestação de contas. E, agora, tem sua remuneração mais uma vez cortada. Vão matar a lei, pois os proponentes são a alma do negócio." Os pequenos produtores culturais, por sua vez, esperam que as mudanças permitam um maior acesso aos recursos da lei. "Nunca usei a lei. Eu tentei, mas é tão burocrático o processo que, para uma editora pequena, fica muito difícil", diz Sérgio Pinto de Almeida, da editora Papagaio, que editou livros de José Agrippino de Paula e Wander Piroli. Eduardo Saron, superintendente de atividades culturais do Itaú Cultural, considerou que a chegada de novas regras mais "precisas e claras" só tende a melhorar a situação na cultura. Os institutos, como o Itaú Cultural, serão proibidos de utilizar recursos da lei para manutenção e funcionamento das suas estruturas, mas Saron disse que isso não preocupa a instituição que dirige. "Dos R$ 26 milhões que investimos no ano passado, R$ 12 milhões foi dinheiro sem incentivo da lei. A questão da acessibilidade do produto cultural já está no nosso DNA. O fundamental é mesmo clarear as regras, esse é um dos pontos positivos da reforma. Se conseguirem criar espaços de diálogos e convergência entre as propostas apresentadas ao Ministério e as regras, será uma bola dentro", avaliou Saron. "Ruim é a incerteza, o meio caminho. O decreto abre as regras do jogo, e o decreto antigo já estava criando confusão, porque embora dissesse uma coisa, tinha as avaliações dos projetos no mecenato já permeadas pelas discussões que estavam acontecendo em todo o País. Agora, acaba o campo nebuloso." Já Yacoff Sarkovas, consultor de patrocínios, considerou a mudança "cosmética". Ele enxerga inclusive um potencial perigo. Para Sarkovas, que é contrário à existência da legislação, dependendo da percepção que o mercado tenha em relação às modificações, se as empresas entenderem que são mudanças ´complicadoras´, pode-se gerar um novo desequilíbrio em relação à Lei do Audiovisual - também mantida com base em renúncia fiscal. Na Lei do Audiovisual, o investidor tem 100% de abatimento no Imposto de Renda e ainda lucra com o filme - entre 24% e 32% da renda. Além disso, pode divulgar sua logomarca na produção cinematográfica. "Caso as empresas considerem que a lei tenha se tornado ´menos atraente´, a Lei do Audiovisual tende a se tornar ainda mais competitiva face à Rouanet." Paralelamente a essa reforma da Lei Rouanet, está na pauta do Congresso projeto do senador Sérgio Cabral (PMDB-RJ), que prevê a extensão do incentivo da Lei do Audiovisual até 2016. Uma lei poderia canibalizar a outra se o governo não tratar os dois problemas conjuntamente, prevê o consultor. "E o dinheiro é do Estado", afirma Sarkovas. "Não pode ser usado por empresas privadas para projetos escolhidos por critérios políticos ou de relacionamento." O Ministério da Cultura informou que a reforma da Lei Federal de Incentivo à Cultura é apenas um dos seus focos de atuação. "A gente não trabalha a lei de incentivo isoladamente. Ela tem de ser incluída no contexto das políticas", disse ao Estado, na semana passada, Juca Ferreira, Secretário Executivo do Ministério. Ferreira falou sobre os mecanismos de mercado criados, como sistemas de financiamento e subsídios junto a bancos estatais (como linhas de financiamento no BNDES para utilização na construção e reforma de salas de cinema e também para edição de livros). "Precisamos trabalhar a cultura em três dimensões: como fato simbólico, direito de cidadania e como economia", ele disse. "Para afirmação de uma economia, exige-se muitas vezes regulação daquele setor, muitas vezes linhas de fomento e estímulo. Estamos trabalhando em mecanismos de financiamento acessíveis para os produtores culturais, para aquele que quer montar sua banda, todo tipo de produtor. E acionando mecanismos, como o Funcine e o Ficart, que foram reativados e já estão funcionando." Yakoff Sarkovas, no entanto, argumenta que havia uma conjuntura favorável a que o Ministério da Cultura quebrasse definitivamente com a dependência do Estado brasileiro das leis de incentivo. "É um sistema perdulário, porque cria dispêndios que são incompatíveis com o processo de financiamento público. E é socialmente injusto, porque os processos de escolha do dinheiro público são definidos dentro de premissas privadas e individualizadas", ele afirmou. http://www.estado.com.br/editorias/2006/04/26/cad102774.xml
26/04/2006