samedi, janvier 29, 2005

O preço da cultura

Cultura
O preço da cultura
28/1/2005
Roberto Muylaert, jornalista e ex-presidente da Rede Cultura de
Televisão
Valor: Roberto Muylaert: Dentre os profissionais que trabalham na área
de patrocínio você tem sido o único a divergir publicamente das leis de
incentivos culturais. Porque a sua posição tem sido tão solitária?
Yacoff Sarkovas: O patrocínio se desenvolve independente de estímulos
fiscais. As empresas aplicam recursos próprios de comunicação para
associar suas marcas a ações de interesse público, nos campos cultural,
social, ambiental e esportivo, objetivando resultados institucionais e
mercadológicos. Estas leis de incentivo fiscal nada têm a ver com
patrocínio empresarial de verdade: são o jeito brasileiro de o Estado
investir R$ 500 milhões ao ano na cultura, o que considero pouco. São
apoiadas por quem não tem informação sobre modelos mais eficazes de
financiamento público, ou por uma minoria que tem acesso privilegiado
aos guichês do sistema atual. Minha posição não é isolada. Muitos
também defendem a substituição do incentivo fiscal por fundos públicos
orientados por políticas culturais públicas.
Muylaert: Quais são as inadequações na Lei Rouanet e na Lei do
Audiovisual?
Sarkovas: É a dedução integral dos patrocínios e investimentos nos
impostos. O incentivo fiscal só faz sentido quando o dinheiro público é
investido objetivando estimular o investimento privado. Leis que
permitem 124% de dedução, como a do Audiovisual, ou 100% de dedução,
como a Rouanet, só fazem repasse de dinheiro público, sem contrapartida
privada. Geram produção cultural simplesmente porque injetam dinheiro
no setor, não porque são uma boa forma de financiamento.
Muylaert: "Rico só gosta de dar dinheiro para rico": é frase cruel de
um pequeno produtor cultural, que não consegue viabilizar seus
projetos, porque não chega às altas esferas das empresas. E muitas
delas têm projetos culturais próprios para encaminhar seus recursos
deduzidos do pagamento do imposto de renda. Como fazer para que haja
uma democratização efetiva no empenho de patrocínios?
Sarkovas: Não se pode esperar democratização de patrocínios
verdadeiros. Usando seus próprios recursos, as empresas devem ter
liberdade de patrocinar o que lhes for mais adequado, como já fazem com
os projetos esportivos, sociais, ambientais e os culturais sem dedução
fiscal. São as leis do mercado que estabelecem as condições de
sobrevivência das empresas. Por isso, é irracional transferir para elas
recursos públicos e esperar que operem contrariando sua lógica. Fora
dos pontos de confluência entre o interesse público e o privado, há
vastas áreas em que prevalece o interesse público. Nelas, o Estado deve
atuar formulando políticas que balizem o financiamento direto.
Muylaert: Existe dinheiro de empresas privadas nos projetos culturais,
ou a verba que circula é quase toda do próprio governo, proveniente das
renúncias fiscais?
Sarkovas: Englobando as áreas esportiva, social, ambiental e cultural,
os patrocínios empresariais movimentam no mundo U$ 27 bilhões por ano,
sendo US$ 700 milhões no Brasil, que correspondem a 7% do orçamento de
comunicação das nossas empresas. Neste mundo em que o dinheiro privado
é real, as empresas patrocinam para ampliar sua credibilidade,
estimular a identificação e melhorar o relacionamento com seus públicos
de interesse; agregar atributos e valorizar suas marcas; demonstrar sua
participação social. No reino da fantasia do incentivo fiscal com
dedução integral, não é necessário enfrentar o mundo real. Numa
transação feita com dinheiro público, um finge que foi patrocinado e o
outro, que é patrocinador; um finge que é financiado e o outro, que é
investidor. Isso mantém a área cultural no jardim da infância do
mercado, retardando seu amadurecimento e sua sustentabilidade. Valor
Econômico